quinta-feira, 23 de novembro de 2023

 

A história do sobrado histórico José Francisco Lippi, em Teresópolis. (

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WanDerLey:   A Ermitage e a história de Teresópolis “Vale ...:   A Ermitage e a história de Teresópolis “Vale amplo, aberto, formando verdadeira bacia, em cujo thalweg corre um riacho de águas abunda...

 A Ermitage e a história de Teresópolis

“Vale amplo, aberto, formando verdadeira bacia, em cujo thalweg corre um riacho de águas abundantes, encaichoeirado e rumoroso no primeiro terço de seu percurso dentro da mata, coleante e preguiçoso, na vasta planície por ele percorrida, é um sítio ideal para uma dessas residências ricas e senhoriais, como vemos nos países da Europa. No fim dessa planície de entrada do vale, nas primeiras ondulações das montanhas que se lhe erguem em torno, tendo o córrego de um lado e de outro uma pequena grota de onde brota um segundo filete dágua, levanta-se um pequeno promontório, seguido de outra planície menor que a primeira, onde se acha colocada a casa de residência da antiga fazenda.Lembro-me, perfeitamente, da primeira vez que ali passamos as férias, em 1896... Foi uma sensação de deslumbramento para mim. A largueza, a beleza do sítio, o parque, o pomar, eram motivos para minha admiração! As uvas, os marmeleiros, o campo, encheram-me os olhos, ávidos de liberdade.”, retrata a Fazenda Ermitage o engenheiro Armando Vieira em seu livro de memórias, Therezopolis, 1938.

     O governo do Estado continua com a intenção de construir na Fazenda Ermitage cerca de mil e quinhentas casas populares para os desabrigados das chuvas de janeiro de 2011. Antiga “Fazenda das Montanhas”, “Hotel Lacerda” e, desde 1878, “Ermitage”, a propriedade mantém-se com as mesmas características do final do século dezenove, tendo grande importância histórica pelas ilustres personalidades que passaram temporadas na propriedade, entre elas, os governadores de Estado Quintino Bocayuva, Alfredo Backer, Oliveira Botelho e Nilo Peçanha, o candidato à presidência, Sabino Barroso, e o presidente da República, Prudente de Moraes, que viveu em Teresópolis entre os dias 9 de dezembro de 1896 e 4 de março de 1897, recuperando-se de uma cirurgia, enquanto assumia o cargo o vice Manoel Victorino. Prudente de Moraes subiu a serra com a mulher e suas três filhas, além de assessores políticos. Daqui, o presidente acompanhou os bastidores do governo, via telefone, instalado especialmente para sua maior comodidade, até que em março de 1897, revitalizado pelo clima da serra, o presidente voltou ao Rio de Janeiro e reassumiu o cargo. A viagem presidencial a Teresópolis foi feita através da Baía da Guanabara, passando pelo Porto de Piedade, onde foi tomando o trem da EFT até Guapimirim. Na base da serra, duas liteiras conduziram o grupo até o Hotel Higino, no Alto, onde os visitantes ilustres foram trasladados para a Ermitage num troly americano.
     Antiga “Fazenda das Montanhas”, parte da sesmaria de George March, destinada por herança ao filho Guilherme March, a propriedade foi vendida, nos primeiros anos de 1850, ao Comandante Superior Policarpo José Alvares de Azevedo, que adquiriu também o Comary, Soberbo, Araras, Meudon e Vidigueiras. Sucedidas ao filho Alexandre Magalhães Alvares de Azevedo, a fazenda foi vendida a Joaquim Paulino de Oliveira, irmão de Paulino José de Oliveira, - filhos do Tenente Joaquim Paulo, o presumido filho de Tiradentes - que já tinha adquirido de Jorge Britain March, irmão de Guilherme, as terras do Imbuy.
     Em 1877, Antonio de Lacerda Telles, parente de Joaquim de Abreu Lacerda, redator do Jornal do Commercio, adquiriu a Fazenda das Montanhas, instalando alí o Hotel Lacerda, que funcionou menos de dois anos, sendo a propriedade vendida, em maio de 1878, ao francês Eugênio Aristides Poirson. “Na sua qualidade de bom francês, mudou, Poirson, o nome da Fazenda das Montanhas, para Ermitage. Eis aí a origem do nome um tanto pretensioso, lembrando os arredores de Paris, o valle do Montmorency, o Castelo de La Chevrete, que Jean Jacques Rousseau, nas ‘Confessions’, se encarregou de tornar celebre, L’Ermitage”, explica o historiador Armando Vieira, no livro Therezopolis 1938. “Três anos depois, em três de outubro de 1881, começa, verdadeiramente, a vida da Ermitage como fazenda produtiva e residência confortável. De espírito empreendedor, homem viajado, deu-lhe Baiana, grande desenvolvimento. Plantou grande vinhedo, extenso pomar de marmeleiros, cujos frutos eram uma especialidade de Teresópolis; montou fábrica de vinho, serraria acionada por uma roda dágua do córrego encachoeirado a que já aludi; tentou a criação de cavalos da raça Percheron de que possuía um belo exemplar reprodutor”, continua Armando Vieira, que informa também as dificuldades encontradas por Baiana. “Como consequência das dificuldades que atravessou nos últimos anos de sua vida de Teresópolis, a atividade da Ermitage esmoreceu, perdendo-se o que ali se tinha feito, no terreno lucrativo, cessando-lhe a vida de fazenda. Com a morte de Baiana, foram seus bens à praça para liquidação de seu inventário, sendo a Ermitage arrematada por Domingos Moitinho, credor do monte, em 13 de novembro de 1888. Nesse mesmo ano, a propriedade passou às mãos de Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, o Visconde de Cavalcanti. “Homem de fino gosto e grande tratamento, habituado em Paris onde residia, o Visconde transformou a Ermitage - a fazenda de Baiana - em estância de veraneio, reformando a casa de moradia, cocheiras, jardins e dependências, tornando-a um verdadeiro encanto. Naquele tempo - situação que durou até 1903, quando se realizaram as obras de saneamento do Rio de Janeiro e o expurgo da febre amarela, serviço que devemos ao grande Osvaldo Cruz - era quase obrigatória a fuga do Rio, assolado no Verão pela terrível epidemia que tanto deprimiu a reputação do Brasil, entravando o seu progresso. Pouco durou, entretanto, esse entusiasmo do Visconde. Continuando a Viscondessa  a residir em París, transferiu, de novo, a Domingos Moitinho, por escritura de 4 de Julho de 1890, a propriedade que, com tanto carinho, preparara”, conclui Armando Vieira.  Três dias depois, em 7 de julho de 1890, Domingos Moitinho e outros assinam, em Teresópolis, um contrato com o governo do Estado do Rio de Janeiro, criando a Empresa Estrada de Ferro Therezopolis, a quem passa a propriedade e as demais terras de Teresópolis, adquiridas para a construção da capital do Estado, objeto principal do contrato, que previa também a abertura de uma estrada de ferro ligando essa Capital à Niterói.
     Propriedade de tantos, cada um promovendo nela importantes melhorias, a Fazenda Ermitage passou às mãos do empresário José Augusto Vieira, por arrendamento, em 1895, tornando-se Vieira seu dono em 4 de setembro de 1901, quando o empresário arrematou em leilão os bens da EFT, da qual era empregado e investidor.

UMA NOVA ÁREA DE RISCO?

     Ávidos em dar uma resposta política aos desabrigados, à época, nem que seja em forma de promessa, a prefeitura de Teresópolis e o governo do Estado cometeram um grande equívoco e que cabe ainda à sociedade organizada discutir, e acompanhar, para que cuidados sejam tomados com relação à ocupação desta área. A Fazenda Ermitage é uma bacia com a permeabilidade já comprometida, sendo as suas águas responsáveis pelo alagamento da rua Manoel José Lebrão quando das chuvas fortes em Teresópolis. Aumentando a impermeabilidade desta bacia, um charco que absorve a umidade dos morros próximos, teremos alagamentos ainda maiores nos bairros Ermitage e Tijuca, que já sofrem com as enchentes quando chove um pouco mais forte.
     Outro problema da criação de um bairro populoso na bacia da Ermitage é a necessária infra-estrutura, nunca equivalente a que existe nas localidades atingidas, sem contar a questão cultural dos novos moradores, oriundos de bairros diferentes, com necessidades e costumes específicos. A Cidade de Deus, no Rio de Janeiro é um exemplo disso e, em Teresópolis, temos o Matadouro e a Fazenda Fonte Santa que não agradaram os moradores que para lá foram enviados. Todos sabemos que as casas populares do Matadouro não foram habitadas porque não existiam em seu entorno os costumes e os hábitos que os moradores contavam nas suas antigas comunidades. “Há também que se preocupar com as raízes desses lugares atingidos. Desde a padaria próxima, a escola, a creche, a igreja, até o botequim onde se assiste o jogo dos domingos, tudo isso faz parte dos costumes e da cultura local destes desalojados. Sem contar que as pessoas dessas comunidades não têm grande facilidade de adaptação. Elas vivem, literalmente, em comunidade, se ajudando e se inteirando dos problemas do lugar, que também são motivos de aproximação. É um crime amontoar essas gentes, de tantos lugares diferentes, num mesmo ponto, onde a ocupação do território facilita a ação dos aventureiros, até mesmo a proliferação das drogas”, observamos outro dia na rede social. “A irresponsabilidade de transferir para um bolsão de casas os desabrigados de tantos lugares diferentes é tamanha que não se cogita, por exemplo, de arranjar espaços no interior para construir casas para quem perdeu suas residências. Segundo a vontade dos políticos, o agricultor, dono da terra ou meeiro, de Vieira ou Pessegueiros, por exemplo, vai ganhar casa na Ermitage. O desequilíbrio social e econômico que esse deslocamento vai provocar é enorme”, concluiu o debate.